Complementando o assunto abordado pelo post Miastenia Gravis, decidi falar um pouco sobre um hábito muito antigo entre os índios: usar venenos nas pontas de suas flechas ou dardos, para paralisar a presa, ideia essa que, provavelmente, surgiu ao observarem que as cobras possuem um veneno capaz de paralisar suas presas. Hoje em dia, sabe-se que as α-toxinas do veneno da cobra se ligam ao sítio fixador de acetilcolina, neurotransmissor responsável pelas junções neuromusculares (releia!). Assim, essa toxina compete com a acetilcolina por esse receptor e isso debilita a função muscular. Esse déficit é, certamente, fatal caso músculos da respiração, por exemplo, sejam afetados.
Os índios, há bastante tempo (desde 1596, como descrito por Sir Walter Raleigh) já utilizam flechas envenenadas. As pontas dessas flechas são embebidas em substâncias que agem analogamente ao veneno da cobra, ou seja, competem pelos receptores de acetilcolina. Os índios sul-americanos utilizam curare, uma α-toxina extraída de algumas plantas. O curare atua como relaxante muscular que bloqueia o receptor nicotínico de acetilcolina (nAChR), um dos tipos de receptores de acetilcolina. A principal toxina do curare, a D-tubocurarine, ocupa a mesma posição que a acetilcolina no seu receptor, com maior ou igual afinidade. Dessa maneira, atua como um competidor antagonista que prejudica relevantemente a fisiologia muscular.
O antídoto usado contra esse veneno é, principalmente, um inibidor de acetilcolinesterase (anti-colinesterase), um fármaco que bloqueia a ação da enzima acetilcolinesterase, enzima que degrada a acetilcolina. Bloqueando essa degradação, mais neurotransmissores ficam disponíveis nas junções neuromusculares e atuarão numa taxa maior naqueles receptores não bloqueados pela toxina.
Nesse post, a ciência explica uma tradição muito antiga da cultura indígena! Certamente, os índios não possuíam esse conhecimento de junções mioneurais, receptores para acetilcolina, etc, etc. Mas mesmo assim, desenvolveram suas técnicas que certamente melhoraram sua eficiência na caça, prática tão comum na cultura indígena. Dessa maneira, podemos concluir que não existe "raça" superior, mais evoluída. Os índios, antes mesmo da colonização europeia da América do Sul já conseguiam suprir suas necessidades, com técnica tão avançada (mesmo sem possuírem o conhecimento científico).
Até a próxima !
Felipe Martins - MED91
Referências Bibliográficas:
- BERNE, R. M.; LEVY M.N. Fisiologia, 4ª. ed., Ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2000
- http://en.wikipedia.org/wiki/Curare#Plants_from_which_primary_components_of_curare_can_be_extracted
- http://en.wikipedia.org/wiki/Arrow_poison
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