segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Junção Neuromuscular e Miastenia Grave

A Miastenia Grave (MG) é uma doença auto-imune, raramente fatal, mas que pode ameaçar o paciente quando músculos da respiração e da deglutição são afetados. Certamente, ao final desse post (e principalmente depois de assistir ao vídeo do cachorro) todos vocês acharão esse tema bastante interessante! Mas antes disso, precisamos entender como acontece a transmissão neuromuscular em placas motoras.

Como já foi dito em outro post, neurotransmissores não atuam apenas no contato entre neurônios, mas também na junção neuromuscular, isto é, nas sinapses entre o axônio de um neurônio motor e as fibras musculares esqueléticas. Essas junções neuromusculares também são chamadas de junções mioneurais ou, também, placas motoras.












Nas figuras acimas, percebemos, à esquerda, um desenho esquemático da transmissão nervosa em uma placa motora. À direita, vemos terminações de uma célula nervosa em íntimo contato com fibras musculares.


O neurotransmissor utilizado nessa sinapse é ACETILCOLINA, sintetizado na condensação de Acetil Coenzima A e Colina dentro dos próprios neurônios motores. Embora a Acetil CoA seja produzida de pelo próprio neurônio, a colina não o é e, por isso, é necessário que a colina seja captada por transporte ativo (contra o gradiente eletroquímico) da fenda sináptica para ser utilizada na síntese de acetilcolina. A hidrólise desse neurotransmissor a colina e acetato é catalisada pela acetilcolinesterase. A colina dispersa na junção sináptica é recaptada para participar da ressíntese de acetilcolina (mais à frente, a enzima acetilc

E o que isso tem a ver com a contração muscular? TUDO !!! A despolarização da membrana pré-sináptica abre, transitoriamente, canais de Ca⁺⁺ que entram no axônio pré-sináptico e promovem a fusão das vesículas sinápticas. Quando essas vesículas esvaziam, por exocitose, seu conteúdo na fenda sináptica, a acetilcolina difunde-se por essa e pode ligar-se aos seus receptores específicos da membrana da célula muscular, da placa motora. Quando a acetilcolina se liga a seus receptores específicos, a permeabilidade ao K⁺ e ao Na⁺ da membrana pós-juncional é bastante aumentada. A entrada dessas correntes iônicas à célula muscular promove um potencial da placa motora (PPM). Esse potencial se propaga pela fibra muscular pós-juncional, porém é rapidamente finalizado pela hidrólise da acetilcolina pela acetilcolinesterase. A partir de então, o cálcio armazenado no retículo sarcoplasmático dessas células é liberado e se liga à troponina, que altera a estrutura da tropomiosina, o que permite a interação actina/miosina e, assim, a contração muscular acontece! (Leia mais sobre CONTRAÇÃO MUSCULAR no blog "Bioquímica do Exercício". CLIQUE AQUI!!)

Resumo dos eventos que ocorrem durante a transmissão neuromuscular


A Miastenia Grave é uma disfunção neuromuscular caracterizada por fraqueza e fadiga muscular esquelética. É uma doença auto-imune na qual o paciente possui anticorpos circulantes contra a proteína receptora para acetilcolina. Dessa maneira, embora a acetilcolina seja produzida e liberada normalmente na fenda sináptica, a quantidade de receptores disponíveis na membrana pós-sináptica é bastante reduzida, pois os anticorpos induziram a célula muscular a endocitarem os mesmos. Para piorar, esses receptores também perdem parte de sua eficiência, pois os anticorpos dificultam a junção neurotramissores + receptor. A acetilcolina é, então, hidrolisada pela acetilcolinesterase e a colina é recaptada para que o neurônio pré-sináptico faça a ressíntese desse neurotransmissor. Uma queda na eficiência na transmissão neuromuscular em diversas junções neuromusculares é o que resulta em fraqueza e fadiga muscular e, portanto, o paciente não consegue manter contrações musculares prolongadas.

Pacientes com MG apresentam um prognóstico muito bom, pois os tratamentos evoluíram bastante nos últimos anos e proporcionaram ao paciente uma vida totalmente produtiva. Eles consistem principalmente em inibidores da acetilcolinesterase, fármacos também chamados de anticolinesterases. Essas drogas inibem a ação hidrolítica da enzima acetilcolinesterase e, assim, a oferta de neurotransmissor para as placas motoras é mais intensa e ocorre por um maior período de tempo, o que melhora a função muscular, antes debilitada. Também são ministrados medicamentos imunossupressoras que reduzem o processo auto-imune e, portanto, a doença é amenizada.

O vídeo abaixo é MUITO interessante! O cachorro-protagonista apresenta Miastenia Grave (MG) e, de início, tem bastante dificuldade para locomoção, pois suas junções neuromusculares estão debilitadas por essa doença auto-imune e, portanto, não consegue manter contrações musculares prolongadas, além de apresentar muita fadiga (percebe-se a preguiça desse dog!). Mais a frente (a partir do 23seg), é ministrado ao cachorro um medicamento principalmente composto por anticolinesterases e, como explicado acima, podem-se fazer as contrações musculares normalmente. É QUASE UM MILAGRE!



Espero que tenham gostado !

Abraços,

Felipe Martins - MED91

Referências Bibliográficas:
- BERNE, R. M.; LEVY M.N. Fisiologia, 4ª. ed., Ed. Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2000
- HARRISON′S. Principles of Internal Medicine. 17ª Edição. McGraw-Hill, 2008
- http://en.wikipedia.org/wiki/Neuromuscular_junction
- http://www.youtube.com/watch?v=k7YX9kuWrxA&feature=player_embedded

9 comentários:

  1. Nossa! Realmente incrível o vídeo! A minha dúvida é só uma... se voce aumenta a quantidade de neurotransmissores na fenda sinaptica, isso não provocaria a longo prazo uma sensibilização nos neurônios pre-sinápticos, ou uma resistência nos receptores musculares.

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  2. Excelente explicação, continuem com esse trabalho!!

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  3. ótima explicação, deu para clarear as minhas duvidas, parabéns pelo trabalho de vocês.

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  4. E possível um exame de acetilcolina dar resultado positivo. Sem a pessoa esta com miastenia? res. 0,54.

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  5. Muito bom, pena que o milagre não é bem assim rsrs. Além disso o uso do inibidor da colinesterase pode provocar sérios problemas. No mínimo espasmos horríveis, diarreia e câimbras... Além disso os tais remédios que podem ser utilizados e fazer um miastenico ter uma vida "normal" ainda estão para serem desenvolvidos, pois isso só é possível para quem tem a miastenia em grau bem leve, no mais, não é bem assim. E por fim, estudo e aprendo muito com seus posts, porém uma das lutas do miastenico é explicar que não tem preguiça, assim como o cachorro, não , não é preguiça quando quero pentear meu cabelo sozinha, tomar banho, ou me levantar da privada e não tenho forçar musculares para fazer...simplesmente não consigo, assim como ele não conseguia andar, então...deixo aqui minha contribuição sobre viver com a miastenia e agradecimento pelas preciosas informações técnicas.

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